Isso não é uma resenha do livro Herdeiros de Jurema
O livro escolhido no mês de maio pelo clube do livro saber ouvir que criamos no início do ano foi: Herdeiros de Jurema da escritora, do Rio Grande do Norte, Eva Potiguara. Um livro que tem uma capa com uma indígena e elementos da natureza ilustrando, a cor laranja de fundo contrasta com o verde da natureza e os tons em marrom lembram a força da terra. Um livro que, aparentemente, abriu em mim uma fresta sobre história do Brasil. De uma maneira geral, a história de ficção criada pela autora era a história que eu achava que conhecia, dos europeus, os senhorios donos de terra, os coronéis poderosos que abusam e exploram a população menos favorecida pela ganância e poder. Mas, não vou falar da história do livro e sim, dessa fresta que se abriu, essa luz que entrou, coincidentemente, no momento que estou tendo uma disciplina sobre produção artística literária do brasil. Senti essa luz quando comprei o livro, foi especial, entramos em contato com a própria escritora para comprarmos os livros e olha que lindo, eles chegaram cada um com uma dedicatória e a minha dedicatória foi: “Yumie, que alegria poder compartilhar esta narrativa decolonial. Desejo descobertas para além da literatura. Que amplie conceitos sobre as mulheres indígenas. Eva Potiguara. 05/05/2025”.
Primeiro, a palavra decolonial que parece um erro ortográfico, se eu tivesse que escrever, pensaria ser uma forma errada, uma palavra longe do meu léxico, sou do Rio Grande do sul e o café colonial[1] de origem europeia é bem típico, bem como as palavras, colono, colonização, descolonização, mas decolonial[2] é novo. Foi escrita, pela autora, de forma tão consciente, tão segura. Apesar de entender o que signifique parece fora do lugar e deve ser justamente pelo seu significado e pelos anos e anos e anos e não são anos, são séculos de colonização, política exterminacionista[3], assimilacionista[4] e integracionista[5] que, sinta esse estranhamento. “O povo brasileiro não é o indígena, africano ou europeu, e sim um povo novo. É algo que surge da influência desses três povos e une todos em um só. De todos esses a que mais influenciou foi a européia, que com sua narrativa colonizadora nos convenceu que a melhor forma de sermos considerados humanos é se pensarmos como ele [6]”.
A coroa portuguesa revogou a permissão de escravidão e cativeiro entre os indígenas em 1 de abril de 1680[7], parece engraçado, mas não é, esses anos todos de ignorância e brutalidade ainda repercutem no preconceito, falta de respeito e de conhecimento de diversidade dos povos indígenas, e hoje parece que continuamos fazendo o mesmo que antes, semana passada, saiu uma reportagem do café da manhã da folha, o nome da série é: Dois mundos[8], relata um caso de um indígena, de recente contato, que acompanha sua mulher grávida até Manaus e morre com marcas de agressão por todo o corpo, chocante, ansiosa pela segunda reportagem que sairá nesta semana.
E é por isso que o livro tenta narrar ou mudar alguns fatos na história mesmo que na ficção ou na fantasia expressa as crenças de povos indígenas.
Posteriormente a palavra decolonial mencionada pela autora na sua breve dedicatória me transporto para o sentido de “descobertas para além da literatura”, ela deseja que eu tenha essas descobertas, o que seriam elas? Consigo pensar em algo tão latente, presente e onipresente em nós senão a natureza. Abertura para outras possibilidades outros sentidos, assim como Jurema (mãe de Potira) espírito das águas e da terra, Potira sua filha herda esse senso de justiça, os herdeiros de jurema herdam o senso de conhecimento ampliando e amplificando o poder da ancestralidade, com chá ou sem chá Jurema resiste.
[1] Disponível em: Wikpédia <https://pt.wikipedia.org/wiki/Café_colonial> Acesso em: 08/06/25
[2] Podemos entender ou conceituar decolonial ou decolonialidade como uma investigação dos processos de sequestro de saberes ou rasura de saberes, ou seja, entender como esses processos de aniquilação de outros tipos de conhecimento se deram ao longo da modernidade. Uma compreensão aprofundada da colonização do saber (conceituação dada pelo Jeferson Tenório em aula sobre literatura artes e filosofias: manifestações da realidade).
[3] Objetivo de exterminar povos indígenas
[4] Fazia com que as aldeias se transformassem em vilas ou cidades transformando os indígenas em brasileiros. Integravam e incentivavam (mesmo que forçadamente) a adoção de seus hábitos.
[5] Tem o objetivo de integrar os indígenas à sociedade brasileira, participação e inclusão, até os dias de hoje.
[6] Trecho retirado do livro da disciplina de produção artística e literária do Brasil, ministrada pelo Daniel Murukundu
[7] Anne Silva. Há 345 anos, 1° de abril marcou proibição da escravidão indígena no Brasil. Revista Forum, 2025. < https://revistaforum.com.br/historia/2025/4/1/ha-345-anos-1-de-abril-marcou-proibio-da-escravido-indigena-no-brasil-176683.html > Acesso em: 02/06/25.
[8] Dois mundos: Nascimento e morte. Spotify, 2025. Disponível em:
< https://open.spotify.com/episode/6wXdHfbBpQRisIbFCYMgtg?si=a_SEyt7PQoKkNPuPZb0LDw > Acesso em: 01/06/25.
Que descoberta além da arte da literatura. Amei como te impactou e desde a capa já quero também ser atravessada por esse olhar descolonial.
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