Doces Irmãs (mais velhas)

foto do arquivo pessoal

Daria tudo por um donuts agora, duas horas no mar dá uma fome gigante! Sei que não devo comer açúcar que além de engordar envelhece a pele. Mas desencanei um pouco desde que vim morar nesse sol do nordeste. Gisele disse a irmã enquanto saiam do mar revigoradas, os pranchões nem pareciam pesar, uma na frente a outra atrás, uma ajudando a outra a carregá-los. Fazia alguns anos que elas migraram para os pranchões. Sentaram-se na beira da praia como faziam todas as vezes que surfavam para aproveitar os raios de sol, ainda agradáveis fontes de vitamina D.

Lembra daquela vez que fomos para Coruripe, tinha uma boia em forma de donut gigante boiando na piscina, continuou Gisele.

Sim! Também tirarmos uma foto em uma cadeira gigante, ponto turístico da cidade. Fiquei pensando muito naquela foto, nós duas pequenininhas, numa cadeira gigante me fez refletir da grandiosidade que somos, nosso lugar é grande maninha, cabe várias de nós mesmas, todas as nossas versões não precisamos esconder ou se envergonhar de nenhuma versão. Pensava nas minhas versões e em quantas mais versões teria. “A filha da quitandeira”; “A corredora de aventura”; “A professora de natação”, “A professora universitária”, “mãe”; “Dona de casa”; Pesquisadora; Escritora...

Eu quem diga, quem diria que eu estaria surfando aos 60 anos e estaríamos aqui Tisha, surfando juntas e morando mais perto uma da outra. Eu, paulistana nata, tirava férias no Nordeste, tinha alergia do mar e depois que voltava pra São Paulo era consumida pelo trabalho. E você já com um estilo de vida invejável!

Patrícia se deitou na areia e se espreguiçou, alongando todo o seu corpo e deixando a areia esfoliar sua pele. Voltou a sentar e deixar os raios de sol tocarem seu rosto e disse à irmã: A vida é feita de escolhas, o tempo todo.

Um silêncio tomou conta por alguns instantes e Patrícia observou lá no alto um drone se aproximando. Veja! Você pediu algo Gisele? Sim, pedi uns donuts para o nosso café da manhã! Hahahahahahah ambas gargalharam!! Patrícia continuou: nos anos 20 isso era muito estranho para mim, nos anos 30 teve o colapso dos drones, as tele-entregas congestionaram o espaço aéreo e agora início dos anos 40 parece estar mais calmo. 

Mordendo um pedaço de donut Gisele voltou a lembrar da vista maravilhosa da piscina com a boia em formato de donut, do mar ao fundo e o rio Coruripe entre o mar e a casa. Ficava preocupada em como iríamos atravessar...

O nascer do sol era um espetáculo! Exclamou Patrícia.

Quantos anos tínhamos? Perguntou Gisele.

Lembra que rolou uma polêmica em levar ou não levar as crianças pra Disney? Todos queriam me convencer que deveria levar meus filhos pra Disney e eles nem me pediam isso! Naquele ano acabei indo para a Amazônia com a família.

As duas riram!!

O sol começou a ficar mais forte e resolveram ir embora, foram em direção ao carro que estava estacionado no calçadão próximo da praia.

Eu me sentia diferente, éramos diferentes! Buscava resposta no passado, na minha infância, na nossa convivência, mas não encontrava nada nas lembranças. Eu perguntava para mãe sobre as histórias de infância e ela não lembrava de nada, a única era: “ah, a tua irmã uma vez tentou te afogar com um talco na boca quando você era bebezinho e ela tinha uns seis anos”, a mãe sempre contava essa história. Embora lembrasse de mim sempre te incomodando quando você estava com as tuas amigas e quando eu joguei o teu chinelo pela janela. Me lembro de ser uma irmã “pentelha” de querer ouvir atrás da porta enquanto você estava com as amigas se arrumando no quarto. Disse Patrícia.

Pararam próximo ao carro para tirar a água salgada. Elas poderiam ter sido parceiras de brincadeiras uma da outra, mas que não foi possível porque enquanto uma chorava para mamar a outra sem se dar conta já recebia a difícil e árdua tarefa de ter que cuidar, por ser a irmã mais velha. 

E ao deixar a água escorrer Gisele se deu conta que não sentia mais alergias da água salgada que antes a incomodava tanto e que poderia ficar salgada até chegar em casa. O mar é maravilhoso!! Falou entusiasmada e continuou as reflexões: Já faz um tempo que parece não haver diferenças, acho até que temos a mesma idade. Não sei daqui a 20 anos pela lógica vou ficar “gagá” primeiro do que você e nossas diferenças poderão ser outras e a nossa relação pode se inverter. 

Patrícia escutou e tomada pelo vigor e entusiasmo pós exercício, brincou:

Como quando erámos crianças amanhã eu poderei ser a irmã que cuida, já faz um tempo que te chamo de maninha e garanto do fundo do meu coração que não “colocarei talco na tua boca”. Patrícia sorriu com todo afeto que poderia demonstrar e foram para seus carros, arrumaram as pranchas, se despediram e seguiram para mais um dia de trabalho.


Yumie Okuyama - Escrito em 02/02/2024

Foto: arquivo pessoal

Treino de escrita 13 - Tempo no texto literário e Treino de escrita 14 - Relendo e reescrevendo

1)   Escolha um tempo cronológico para sua história – época em que ocorre. 

Duas irmãs aos 60 e poucos anos conversando na beira da praia e lembrando de férias anteriores (de 20 e poucos anos atrás).

 

2)   Escolha um tempo psicológico para sua personagem ou para seu eu-lírico-ela se recorda de tempos passados? Faz planos para o futuro? Vive o presente? 

Duas irmãs lembrando de férias anteriores e suas diferenças, vivendo a terceira idade imaginando sua convivência no futuro. Mas em vez de envelhecerem elas rejuvenescem e vão ficando mais próximas. Embora essa diferença de idades se perde ao longo do tempo e acabam sendo simplesmente irmãs que guardam memórias.

 

3)   Escreva um conto, crônica ou poesia ambientados no tempo escolhido.

Conto





Comentários

  1. Em uma caminha, sol escaldante em um pasto verdejante.
    Um passeio de domingo, duas irmãs felizes se apoiando.
    Passávamos por uma ponte de tábuas velhas e furadas, eu e minha irmã mais velha.
    Parei para dar uma espiada no rio.
    Que água limpa, deveria estar bem fresquinha e gostosa
    Essa foi a desculpa que arrumei, para molhar meus pés.
    " Estou com sede " !
    Desci até o rio e brinquei de chutar a água.
    Joguei água em minha irmã, e ela deu uma bronca.
    Fiquei triste!
    Mas, não deixei a tristeza tomar conta.
    Como todas as crianças, a tristeza vai logo embora.
    Vi imediatamente os peixinhos, e ficamos aí tentando pegá-los.
    Foi muito divertido.
    Maria Inês, logo lembrou: "Temos que ir ao catecismo, a professora vai ficar brava se chegarmos atrasadas ".
    Eu saí correndo , esquecendo os meus chinelos; para variar.
    Minha irmã, Maria Inês saiu do Rio com meus chinelos, como sempre atenta às minhas peripécias.
    Logo a frente, vimos umas vacas pastando, elas estavam soltas.
    Como íamos passar por elas.
    Sabia que minha irmã Maria Ignês tinha muito medo.
    Então, como a maioria das crianças; não sabem o que é medo.
    Logo comecei a gritar com o gado e afastar-los para longe.
    Assim conseguimos atravessar, passamos pela cerca e chegar a igreja, a tempo da aula de catecismo.
    No final minha irmã me prometeu: "Vera, vamos tomar um sorvete após a aula "!
    Duas irmãs hoje: com mais de 60 anos , continuam auxiliar mutuamente.


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    1. Que lindo! Obrigada por compartilhar aqui e florescer esse jardim de histórias, memórias, contos e poesias. Você me inspira nas caminhadas e nas palavras ;)

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  2. Se eu sobreviver quem sabe aos 60 estarei estarei mais perto do mar. Quem sabe, mais junto de quem amamos e menos perto do invisível. Quem sabe a boca estará menos amarga, talvez o coração tenha sido reconstruído e a pele deixe o sol queimar sem machucar… talvez eu esteja lá carregando o pranchão contigo e me sinta no céu!!

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