Ser ou não ser, eis que nasce uma mãe (de UTI)
Em trocas de conversar com algumas amigas, uma delas me contou da dificuldade de engravidar, ela disse que levou dois anos e já estava com consulta marcada para fazer um tratamento quando enfim engravidou. Ela é dois anos mais velha do que eu. Outra amiga que não quer ter filhos, mesma idade que eu, me contou o caso de uma amiga nossa que fez tratamento, pois não conseguia engravidar e, logo depois, engravidou de gêmeos, embora, infelizmente, um deles não sobreviveu. E essas histórias de amigas e conhecidas pipocavam na minha mente gerando um conflito em relação a ter ou não ter filhos, querer ou não querer ser mãe e isso parecia que precisava ser decidido logo, pois estava com 33 anos.
Estava tão absorvida pela minha vida e envolvida no meu trabalho, apesar disso essas histórias não saíam da minha cabeça. Ao mesmo tempo, tentava uma vaga para o doutorado e era incompatível a ideia de estudar e ter filho. O trabalho mais uma vez me deixando desconfortável com as minhas escolhas.
Meu companheiro me apoiava na decisão que eu tomasse, ele só achava que deveríamos esperar mais um pouco, homens que não têm a tormenta da idade. Enfim, acabou que não tomei mais o anticoncepcional. Trabalhava no interior de Pernambuco, viajava no início da semana e voltava na quinta-feira e esqueci de levar o comprimido. No início, pensei que tivesse sido um ato de imprudência e resolvi voltar a tomar assim que a menstruação descesse. E ela não desceu. Me dou conta disso nove semanas depois, depois de ter ido para um congresso e ter corrido uma corrida de 5km no melhor tempo da minha vida. Estava tão bem e feliz! Com dois corações a mais dentro de mim. Fiquei mesmo assustada quando veio a notícia de serem gêmeos, ainda assim não alterou minha exaltação, meu entusiasmo. Todos a minha volta ficavam entusiasmados também. Exceto por duas pessoas, minha coordenadora na época, mãe de trigêmeos e com muita propriedade falou quase que tirando sarro da minha cara: tu estás lascada visse! A segunda, minha aluna do projeto de Pilates, já avó me olhou com compaixão e ternura e disse: Coitadinha. Só fui expressar o meu "bah" tempo depois.
Com sete meses, acordei com a cama molhada, sentindo contrações leves e com intervalos grandes. Mas não sabia que eram contrações, pensei que já não estava mais conseguindo segurar o xixi, tomei um banho, sentei-me na frente do computador para terminar um artigo que tinha que entregar do doutorado. Meu marido estava preocupado, nervoso e ligando para a médica. Ninguém atendia, pois eram cinco horas da manhã. Às sete da manhã ela respondeu e disse para irmos para o hospital. Uma hora até lá. Quando chegamos a médica plantonista me disse que estava coroando, iria nascer hoje. Perguntei sobre a possibilidade de não nascer hoje e ela balançou a cabeça negativamente. Perguntei se poderia ser parto normal. E pode, de sete meses? Naquele momento minha vontade era de ficar pelada, meu quadril parecia que estava estourando minha bermuda grande que num instante ficou apertada. Meu marido estava empolgado, ligando para os amigos e chamando todos para o hospital. Num instante de sobriedade ou premonição, talvez, falei para ter calma, não vamos sair desse hospital tão cedo. Não adianta comprar passagem para tua mãe vir, preciso só de você e da minha mãe aqui comigo.
Meio-dia e meio-dia e onze minutos eles nasceram de parto normal ou vaginal, choraram e foram direto para a incubadora da UTI neonatal. E foram 110 longos dias de muitas intercorrências, cirurgias, desespero, medo. Ao mesmo tempo de muita perseverança, resiliência e amor. Naquele dia não voltamos mais para casa, alugamos um apartamento em Recife a quatro minutos, caminhando, do hospital. Foi difícil sair do hospital sem os meus filhos no colo e não queria voltar para casa sem eles, ficamos lá para irmos em todas as visitas durante toda a minha licença maternidade, o mais próximo que conseguíamos ficar. Meu marido também conseguiu tirar uma licença e voltava para casa de tempo em tempo para ver e cuidar dos nossos cachorros e do nosso gato. Minha mãe pode “maternar” de novo cuidando de mim, me alimentando, e eu pude encontrar a sanidade e me concentrar em ordenhar a cada três horas (tentava fazer na mesma hora em que eles eram alimentados no hospital) para eles poderem ser amamentados pelo meu leite. Esse leite ajudou muito as crianças, mas com certeza me ajudou mais, foi a forma que encontrei para estar perto deles e me conectar comigo mesma em meio ao caos (do puerpério).
Nesses meses meu marido e eu vimos muitas coisas, boas e alegres, quando os bebês ganhavam peso e recebiam alta do hospital. E ruins como de os bebês não resistirem e os pais perderem seus amados filhos. As reações eram diversas, meu marido e eu combinamos em não falar para ninguém o que víamos na UTI neonatal. Somente os pais podiam visitar as crianças e queríamos estar presentes e levar sentimentos alegres e de esperança. Nos conectamos muito na sala de espera, na maioria das vezes não falávamos nada, mas estávamos sempre abraçados.
Momento difícil na minha vida, mesmo tendo um final feliz ainda tenho dificuldade de falar sem me emocionar. Cada vez mais tenho coragem de expor e, assim, vou lidando com esse sentimento que por vezes quis esconder achando que seria mais forte.
Yumie Okuyama
(Editado em 31/01/24)
Treino de escrita 06: Você pode escolher uma das propostas abaixo. Seu texto pode ter até 2 páginas de Word. 1) Escreva um conto, crônica ou poema, em que você transgrida o gênero. Pode ser no conteúdo, pode ser no estilo ou na construção composicional. 2) Transgrida e inove. Escreva em um gênero literário novo para você.
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